“Parece muito cedo até que já é tarde”

Aprendendo a conversar sobre vida e morte

Nesta semana realizamos mais uma edição da nossa série “ Convívio em Família ” onde trazemos um ou mais profissionais para abordar temas de relevância neste momento que vivemos tanto para as famílias empresárias como para o próprio ser humano, como ponto chave para qualquer transformação.

Priscilla Mello, fundadora da Defamília Estratégia para Famílias Empresárias, empresa especializada na geração de propósito coletivo nas famílias empresárias através da governança familiar, oferece apoio a esses famílias em diversos processos.

Tom Almeida, idealizador do Festival inFINITO, é fundador do Movimento inFINITO, que nasceu para inspirar as pessoas a refletir sobre a sua morte e de seus entes queridos e a se engajar na criação de um novo jeito de vivê-la. Por meio de conversas sinceras sobre viver e morrer, o movimento promove a consciência da finitude, acreditando que pode-se viver com integridade na saúde, na doença, na morte e no luto.

Sobre o Movimento InFINITO

O Movimento InFINITO foi criado há cerca de três anos com a proposta de criar conversas sinceras sobre vida e morte. Mas por que falar sobre viver e morrer? Quando a gente reflete sobre a finitude, sobre a morte, a gente reflete sobre a nossa vida. Como estão as nossas relações, como estamos investindo o nosso tempo.

Essa é a grande reflexão. Que tipo de marca ou legado nós deixaremos. São reflexões muito importantes para a gente fazer enquanto estamos aqui, ativos, pensando em tudo isso, para quando chegar o nosso momento, ir em paz consigo mesmo. Em todas as conversas a gente se emociona, fala de coisas bonitas e sai com pensamentos positivos sobre a vida, sobre o que queremos celebrar. Acaba sendo uma conversa muito positiva, para cima. E quando a gente se abre a falar sobre esse assunto, que é delicado, muitas vezes não sabemos como fazer. A gente fica desconfortável e acessamos toda a nossa vulnerabilidade.

Como Tom se envolveu com esse Movimento ?

Tom começou a trabalhar com isso por causas pessoais. Perdeu pessoas queridas em três anos seguidos. Dessas mortes nasceram essa causa. Quando sua mãe morreu, sentiu que não teve a conversa. Muitas famílias tem esse assunto como um grande elefante branco no meio da sala.

Então como abordar esse assunto?

Tom – Meu primo faleceu com 41 anos e eu comecei a provocar e abrir espaço para falar sobre isso. E foi muito importante para a relação. Com meu pai eu comecei a conversa um ano antes. Não é sobre como evitar a morte. E sim como a gente inclui ela na vida. Porque a morte faz parte da vida. A morte nos traz dois sentimentos principais: dor e medo. Se dói e dá medo, então eu não quero falar sobre isso. Quando você passa esse limite e supera essas barreiras, você traz outros sentimentos: pertencimento, conexão, intimidade e amor. Essa experiência fica mais completa, mais rica e ajuda a gente a viver melhor.

Priscilla – Estamos vivendo um momento muito emblemático em que o medo está muito presente e forte em todos nós. Muitas vezes a gente deixa essa conversa que você citou para depois. E vai postergando. E isso vai levando uma vida inteira. Como fazer essas conversas aconteceram agora, enquanto ainda estamos todos aqui?

Tom  – Tem  uma frase muito importante que diz que “a gente acha que é muito cedo, até quando é muito tarde”. As pessoas acham que ainda não está na hora de conversar com o pai, a mãe ou os irmãos as questões tabus. Sempre achando que não está na hora de abrir essa conversa ainda. Mas acontece que chega o momento e aí pode já ser tarde demais. E a conversa não aconteceu.

A incapacidade de não ter realizado a conversa provoca muita dor depois. Muito mais do que o desconforto de abrir essa conversa. Então parece cedo até que é tarde demais.

 

Priscilla – Nesse cenário de pandemia o que vemos são pessoas acometidas com a doença se agravando muito rapidamente. E aí não há tempo para processar tudo. Como tratar em uma situação dessa?

Tom – A finitude e a impermanência eram conceitos muito distantes das pessoas. A gente não conseguia ver isso claramente. Hoje, com a crise mundial que estamos vivendo, a finitude, a morte e a impermanência estão escancaradas na nossa cara. Não tem mais como não olhar para isso. É a vida falando: vamos conversar? A Covid-19 provocou essa situação. Pode acontecer que para algumas pessoas a doença evoluirá muito rapidamente e, de repente, a pessoa tem que ser internada e entubada. Então essa conversa tem que começar agora. Mas como eu abro essa conversa com meu pai? Com alguém mais próximo?

A dica é começar com uma pergunta. Não precisa criar uma situação formal. Se for em uma situação mais fluída, na rotina do dia a dia, é melhor. Pergunte como a pessoa está se sentindo. Se está com medo, se está preocupada. E vá tirando informações. Ouça muito a pessoa. E também exponha seus próprios sentimentos, preocupações, e o que é importante. É o momento de fazer uma reflexão e saber o que quer para si. Como quer ser cuidado e tratado. É preciso falar tudo isso para que a decisão da morte e do tratamento seja sua mesmo. As pessoas em volta saberão da sua vontade porque ela foi falada.

Priscilla – O momento é propício para refletir com quem a gente precisa conversar agora. Para caso a gente tenha que passar por um problema mais grave, uma pessoa não tenha que pedir perdão para a outra, porque essas coisas já estariam resolvidas.

Tom – Essas conversas são muito delicadas. A gente tem que respeitar o tempo da pessoa. Entender qual seria a melhor hora para conversar. Mas o importante é abrir espaço para a pessoa perceber que pode conversar com você, se abrir. A gente não tem direito de roubar a esperança ou a fé de ninguém. Se a forma de enfrentamento dela é a fé, neste momento específico, não cabe a nós colocar a realidade na cara. Ninguém é contra a milagre.

Priscilla – Muitas pessoas não sabem como acolher. Não entendem que, às vezes, ficar quieto ao lado do outro é uma forma de acolhimento. Mas nem todo mundo dá conta. Como acolher nesse momento?

Tom – Acolher é fazer. A gente está acostumado com esse modus operanti de fazer coisas. Eu faço, eu falo, eu sugiro, eu julgo. Tudo tem muita ação. Muitas vezes todos esses movimentos   são para preencher o meu próprio desconforto. Eu não sei lidar com a dor da outra pessoa. Então o primeiro ponto é se perguntar: por que eu estou fazendo isso? É para mim ou para a pessoa  que está sofrendo? O segundo ponto é o processo de escuta dessas pessoas. Existe um caminho, que é muito fácil, que é a disputa da dor. Comparar a dor do outro com a sua própria   dor em uma experiência parecida. Tentar minimizar a dor da pessoa contando outras histórias, “aparentemente” piores. Há que se ter muito cuidado com o que a gente fala. Esteja presente.

Ouça. Mostre carinho. Se coloque à disposição para conversar quando o outro se sentir confortável para isso. Abra espaço para esse tipo de conversa. O cuidar é estar presente, sem invadir o espaço. Ouvir mais do que falar. Se colocar disponível. Menos fazer e mais ser. Estar com a pessoa. Se mostrar presente.

Priscilla – Nesse momento a gente fica tão preocupado com as empresas, com o trabalho e a economia, que são sim muito importantes, mas esquece de acolher. E isso é essencial. Não dá para falar somente de empresa, dinheiro e resultado se não tiver saúde, amparo. Precisamos falar sobre isso.

Tom – A essência das empresas são as pessoas. Se eu não estiver entendendo como estou me sentindo, quais são os meus medos, como estou lidando com a ansiedade, como eu vou liderar? Não são conversas separadas. Isso também é negócio. Isso é uma forma de cuidar do lucro. O que está acontecendo com as empresas com demissões, perda de lucro, queda no resultado,

isso também são vários lutos. São perdas. Então as pessoas estão vivendo lutos que precisam ser processados. O luto é importante. É a dor, a tristeza. Sair de um mundo que eu estava acostumado a viver e entrar em um novo mundo. Tem muita dor, processo de adaptação e etc. Mas a gente pode sair disso. Se a gente fica preso a esse sentimento pode virar um luto complicado. Pode levar a situações de depressão, queda de produtividade, falta de foco, falta ao trabalho e tudo o mais. Então os empresários tem que olhar para isso. Como acolher os seus lutos, da sua família e dos seus funcionários. Isso é pensar no negócio. É uma conversa de negócio também.

Priscilla – Fale um pouco sobre um produto novo que você está criando. É um ritual de despedida virtual, certo? Como surgiu esse projeto e como ele funciona?

Tom – Ele surgiu com a situação provocada pela Covid-19. Devido às medidas de isolamento para conter a transmissão, as pessoas foram privadas de celebrar os rituais de despedida como velório, enterro, cremação, missa de sétimo dia e todos aqueles rituais que a gente estava acostumado. É claro que ninguém gostaria de passar por uma situação dessas, mas as pessoas estão percebendo a importância que estes rituais tem. Eles não são somente eventos sociais. É importante que eles aconteçam. Quando vou no velório eu vejo o corpo, toco, vejo as flores, e tudo aquilo me traz um concretude. Eu entendo que aquilo aconteceu. Eu preciso elaborar esse fim para começar a trabalhar os começos. Por que aquela vida que existia não existe mais e começa uma nova vida.

Outra importância desses encontros é o pertencimento social. É ali que vou encontrar outras pessoas que eu gosto, que eu vou abraçar, que amo e que me amam, e vou reconhecer esse amor. Vou encontrar pessoas que não vejo há muito tempo. Vou ter acesso a como as pessoas viam aquela pessoa que morreu. E aqui já começa o legado. O que essa pessoa fez em vida. O que ela está deixando, como será lembrada. As pessoas podem contar histórias engraçadas. Às vezes no velório tem piada. Tudo isso vai ajudando-as a elaborarem esse luto.

E quando eu vi que isso estava sendo totalmente roubado da gente – e faz sentido não acontecer pelas restrições do isolamento social – eu pensei em criar essa plataforma, que é como a gente pode organizar encontros virtuais para fazer uma celebração de despedida. Ou uma celebração de vida, se preferir assim falar. O mundo virtual invadiu nossa vida. O mundo virtual antes representava distanciamento. Hoje é ao contrário. Eu não posso ir até você. O mundo virtual hoje representa proximidade. Mudou o código.

Essa plataforma é para ajudar as pessoas a organizarem isso. Não é uma substituição. É algo novo. Sem a necessidade de comparação. É uma forma de reescrever novas formas de rituais. A gente ganha muito. No encontro virtual eu consigo ter a participação de pessoas que provavelmente não iriam no ritual presencial. Isso já é um ganho. Posso fazer quando eu quiser. A família precisa de alguns dias ou um mês para digerir e só depois realizar a cerimônia. Dá para criar os rituais da forma como quiser. As cerimônias podem ser gravadas. No enterro a pessoa está confusa e muitos pessoas relatam que não lembram quem foi no velório ou o que foi falado. No virtual é possível gravar e assistir novamente, processando no tempo dela. É uma declaração de amor, de afeto e isso ajuda a elaborar o luto.

Priscilla – Nos fale um pouco mais sobre o projeto a Morte no Jantar.

Tom – A Morte no Jantar é uma plataforma onde são criados roteiros paras as pessoas falarem sobre a morte durante o jantar. De uma forma muito íntima e bonita. No mundo já foram feitos mais de 500 mil jantares. Aqui no Brasil eu já jantei com mais de 800 pessoas. Os encontros são lindos, super bonitos. Eu levo perguntas que às vezes as pessoas nunca pensaram sobre isso. São desafiadoras. Mas sempre levam a pensarem no que é importante. Nas relações que são valiosas, nas coisas que estão em aberto para serem feitas. Acaba sendo uma conversa muita inspiradora. Tenho feito também o jantar virtual. São grupo de 10 pessoas, cada um na sua casa, e vamos fazendo essa conversa. É super bonito e legal.

Priscilla – Qual a sua mensagem final para deixarmos aqui para nosso público?

Tom – Reforço a frase “Parece cedo, até que é muito tarde.” É uma frase muito simbólica. Além disso há a reflexão sobre legado. Como você gostaria de ser lembrado? E há a conversa sobre a finitude. Por que só seremos lembrado depois que morrermos.

E se desejar, assista ao webinar completo da nossa conversa com Tom Almeida, clicando aqui, e confira aqui os vários eventos do Movimento inFINITO.