O que esse conflito quer nos dizer?

Por Juliana Polloni

 

Ao longo de mais de 10 anos trabalhando como mediadora familiar e organizacional já vivenciei muitas situações de conflito. Na cultura ocidental, construímos a ideia de que o conflito é ruim, que revela o fracasso, provoca brigas e portanto, é importante evitá-los.

Talvez seja esse o ponto comum das histórias de conflitos familiares, o grande esforço das famílias para que o conflito não venha à tona.

Na minha experiência, posso afirmar, o nível de energia gasto para afastar o conflito é equivalente ao nível de energia para transformá-lo porém, na tentativa de driblar a situação, a energia é desperdiçada, mas na transformação e na busca de uma solução, ela é mobilizada.

 

Trabalhei com algumas famílias e dentre elas, gostaria de destacar as que viram seus negócios irem à falência e que, neste processo de grandes frustrações, fez gerar a administração e a conversão de muitos problemas e conflitos em incertos, mas novos horizontes. Uma empresa em processo de recuperação judicial (antiga falência) tem diversos processos judiciais, onde precisa administrar advogados, credores, prazos, bens, penhoras. Há a responsabilidade de proteger os bens que não foram penhorados e também zelar pelos que foram penhorados e cujo processo se estende

por ano e muitas vezes anos, gerando gastos e cujo descuido pode gerar problemas de difícil solução, além dos desgastes das relações na família e da sensação de impotência que abate a todos.

Estive em uma ocasião, em uma dessas empresas em situação de recuperação judicial, fui convidada a mediar um destes conflitos.

E aqui vem a nossa história de hoje. De uma empresa familiar em que a filha se coloca adiante das pendências jurídicas e cria um embate sobre esta atuação e se passa da seguinte forma:

 

A filha mais velha do casal fundador da empresa, advogada, que, por entender do assunto, frequentar fóruns, por saber lidar melhor com assuntos jurídicos e a trocar  experiências entre profissionais da área, ao perceber a gravidade da situação da empresa do pai optou por tocar a administração de todos esses problemas sem que os pais ou irmãos soubessem ao certo o que ela estava fazendo, pois, todos entediam apenas dos negócios da família e não dos desafios jurídicos do impacto e recuperação judicial. Assim, ela foi conduzindo todos estes assuntos e se auto- remunerando pelo trabalho que estava fazendo para a família.

Quando seus irmãos se deram conta do que estava em curso, veio à tona o seguinte questionamento: Como assim ela está cobrando para cuidar dos processos da família?

Aqui coloco um parêntese, porque é exatamente neste tipo de questionamento e julgamento que se inicia a escalada para um enorme conflito. E foi assim que se iniciou o atrito entre a família, que desencadeou na necessidade de uma mediação.

Os irmãos, que antes não sabiam sobre o que se passava com os negócios da família, agora estavam interessados em saber porque a irmã ousava cobrar honorários pelo acompanhamento dos problemas deixados pela empresa em processo de recuperação judicial.

 

Aqui começa a minha participação nesta mediação e coloco a seguir o contexto:

 

ENTENDENDO O CONFLITO

 

FILHA ADVOGADA:

 

POSIÇÃO: De um lado uma pessoa que estava trabalhando muito em prol da família, cuidando de muitas coisas que interessavam a todos, porém que não comunicava com clareza o que estava acontecendo e o por quê das suas ações.

 

INTERESSE: Resolver o desafio da empresa em recuperação judicial

 

NECESSIDADE: Ser reconhecida na família. Em primeiro lugar, não comunicava seus  feitos por acreditar que se seus pares não entendiam do assunto e segundo, porque todas as vezes que tentava trazer a questão, o grupo não queria ouvir ou não demonstrava interesse.

 

IRMÃOS:

 

POSIÇÃO: sentindo-se preteridos pelo pai nas tomadas de decisões, manifestam desconfiança e descontentamento. Desejam clareza das informações e querem também fazer parte das soluções como iguais.

 

INTERESSE: Que o pai olhe para os êles de igual para igual.

 

NECESSÍDADE: Serem reconhecido pelo pai. Precisam entender com clareza o desafio, seu ônus e bônus.

 

 

Pai e mãe vivos, foram chamados a participar da conversa para terem sua voz ouvida e respeitada. A rudez do pai, que sempre tomou todas as decisões e o silencio da mãe, acostumada a ser conduzida pelo marido, diziam muito sobre como as relações naquela família tinha sido construída.

 

O pai tentou uma aliança comigo, buscando manter o lugar que estava acostumado de gestor das conversas e decisões. Compreensível essa postura e em um importante momento da atenção de uma facilitadora de diálogos, que precisa cuidar de seu lugar, de sua imparcialidade. Segui firme e fui ganhando a confiança de todos na condução das conversas, mostrando um jeito diferente do que estavam acostumados e que abria espaço para falarem do que desejavam cuidar e de como se sentiam, além das questões práticas que precisávamos organizar.

 

Foram conversas difíceis que com cuidado e firmeza foram se tornando possíveis. A lista dos mais de cem bens, as diversas cidades por onde estavam espalhados pelo Brasil, os bens que foram protegidos, os cuidados e custos com fazendas que não tinham sequer ciência de que existiam, foram revelando a competência da filha que cuidava de tudo e trazendo o reconhecimento e a gratidão por tudo que ela vinha fazendo.

 

Após muito dialogo, chegaram à conclusão que era justo que ela recebesse pelo trabalho que fazia e que não haveria melhor profissional que ela para cuidar destes desafios, assim como era justo que ela apresentasse um relatório mensal com tudo que tivesse feito, como faria para qualquer cliente.

Ficou esclarecido que o desafio era de todos e que era de responsabilidade de todo o grupo, pais e filhos, estarem alinhados sobre as contendas da empresa e não deixarem tudo nas mãos da irmã,  simplesmente, e a julgarem sem estarem juntos no que estava em jogo.

O pai foi se acomodando, na tranquilidade de ver seus filhos se entendendo e assumindo, cada um, o seu papel na resolução do desafio com o apoio de toda a família. A mãe, por sua vez, agora respirava aliviada por ver sua família unida, se cuidando e se protegendo.

 

O conflito veio para essa família como uma oportunidade de saberem mais uns sobre os outros, quais dilemas atravessavam suas vidas e o que era importante para cada um.

Antes do conflito, conversavam apenas sobre questões superficiais e esses acontecimentos foram como um convite; de abrirem-se à profundidade da vida que lhes cercava e da diferença que pode trazer a união da família.

 

Por essa e outras histórias, posso afirmar com convicção que, o conflito não precisa ser temido ou afastado, precisa ser abordado de forma construtiva e dialógica e que só assim, chega-se à uma solução, um desbaratamento de problemas, devolvendo a confiança e o respeito entre os envolvidos.

 

Por definição, a intervenção de um mediador, traz a transparência e a concordância entre os interessados, sem que os desafios sejam insolúveis, mas sim, administrados de forma pacífica.

Gostou desta abordagem?

 

Juliana Polloni: Mediadora de conflitos com abordagem Construcionista Social, atua com famílias e organizações desde 2010 e é formadora e supervisora de mediadores. Anfitriã de conversas transformadoras por meio da Comunicação Não-Violenta, de Conversações Colaborativo-Dialógicas (ICCP) e da Investigação Apreciativa. Sócia da Plural Desenvolvimento Humano Ltda. Terapeuta familiar e de casal em formação (ITFSP). Mentora de comunicação e relacionamentos.